COZINHA BRASILEIRA
A RICA E VARIADA COMIDA BRASILEIRA
Rica, variada e tão miscigenada quanto o seu próprio povo, a Cozinha Brasileira vem conquistando o respeito dos gourmets e gourmands de todo o mundo.
Neste espaço, totalmente dedicado a ela, você vai conhecer as cozinhas que a compõem, de norte a sul do País, com todas as suas muitas peculiaridades e delícias.
A MESTIÇAGEM DOS ALIMENTOS
na origem da Cozinha Brasileira
Eddy Stols
Doutor em História pela Universidade Católica de Leuven, na Bélgica
O purê de mandioquinha já conseguiu nas mesas parisienses sua consagração gastronômica por chefes estrelados, ao passo que, em Bruxelas, nas recepções dos tecnocratas europeus, circulam bandejas de empadinhas de camarão fornecidas por cozinheiras brasileiras anônimas. Junto com a reedição das obras pioneiras de Luís da Câmara Cascudo e Eduardo Frieiro e com publicações premiadas internacionalmente como a série "A Formação da Culinária Brasileira", do Senac, não faltam indicações de que a culinária brasileira reivindica seu lugar dentro da cozinha mundial.
Na realidade, já no século 19, os cardápios europeus apresentavam os consommés à La tapioca(1) (caldos engrossados com bolinhas de farinha de mandioca) e as brésiliennes (tortas ou sorvetes com coberturas de castanhas-do-Pará). Sem falar dos primeiros séculos do período colonial, quando as terras brasileiras lideraram a mundialização dos alimentos, desde que se considere o intercâmbio da América não somente com a Europa, mas também com a Ásia e com a África. Pelas mãos dos portugueses, a mandioca se torna substância de base na África, a castanha de caju se familiariza nos caris(2) da Índia, a batata-doce se implanta na ilha japonesa de Kiushu, ao mesmo tempo em que as broas do Minho tomam a dianteira na substituição dos cereais europeus pela farinha de milho, como na polenta do Veneto. Sobretudo, beneficiam as costas brasileiras com coqueiros, bananeiras, mangueiras, jaqueiras, jambeiros, pimentas, dendezeiros e introduzem a criação do gado e a avicultura, não somente de origem européia, mas também as galinhas- d’angola ou os zebus.
A culinária brasileira nasce híbrida e integra nesta mestiçagem contínua não somente produtos e preparos portugueses e indígenas, mas também africanos e asiáticos. Como tal, desenvolve-se muito cedo como uma das mais mundializadas, implicando todas as regiões e camadas sociais sem, entretanto, ceder em originalidade às mais reputadas culinárias das Américas, a mexicana e a peruana.
Sem dúvida, estas ganham maior fama, por se tratarem de culturas mais estruturadas e, conseqüentemente, mais bem descritas pelos cronistas da conquista. Bernardino de Sahagún e Bernal Díaz del Castillo decantam a riqueza dos mercados indígenas e a magnificência dos festins de Montezuma, com produtos como o chocolate. Até as tapeçarias flamengas entronizam na decoração prestigiosa o majestoso peru e o lhama, “o cordeiro dos Andes”. Ao mesmo tempo, os conquistadores espanhóis organizaram mais sistematicamente a transferência de sua agricultura e criação de gado para o Novo Mundo. O grande banquete organizado em 1538 pelo conquistador Hernán Cortés na capital da Nova Espanha evidencia esta autossuficiência. Naquela altura, já funciona lá a primeira taverna de estilo espanhol. Pouco depois, grandes conventos femininos elaboraram receituários sofisticados para receber seus visitantes masculinos.
Em comparação, a culinária luso-brasileira faz figura de modesta e rasteira. Se na Espanha o movimento editorial de livros de cozinha é tão precoce e abundante como na Itália ou Flandres, espera-se em Portugal até 1680 a Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues, e até 1780 o Cozinheiro Moderno, de Lucas Rigaud, os dois únicos livros de culinária publicados durante todo o período colonial. Se o milho merece dos jesuítas espanhóis em pinturas e esculturas um status eucarístico de pão divino, a mandioca nunca se prestigia na iconografia e fica relegada como uma raiz quase diabólica para fomentar a preguiça. Quase desconhecidas ou manuscritas continuam obras gerais, que exploram a comestibilidade das generosas fauna e flora brasileiras como o Tratado Descritivo do Brasil (1587), de Gabriel Soares de Souza, ou os Diálogos das Grandezas do Brasil (1618), de Ambrósio Fernandes Brandão.
Esse descaso se poderia atribuir à famigerada política de sigilo, já que não convinha à Coroa portuguesa desvendar ainda mais o rico potencial nutritivo das capitanias brasileiras, ventilado em publicações de viajantes ou nas cartas jesuíticas. O valor estratégico da mandioca – que providenciava víveres baratos e sadios tanto para soldados, quanto para escravos – não devia ser trombeteado aos quatro cantos. Outra explicação possível é que Portugal dava mais atenção às especiarias e frutas das Índias orientais – permitindo mesmo que se imprimisse em Goa, na Índia, os Colóquios dos simples e drogas da Índia (1563), de Garcia da Orta. Nada similar sai do prelo sobre a culinária luso-brasileira.
Essa visibilidade menor decorre em boa parte de sua própria criação: um processo lento e difuso, com menor intervenção das elites e maior participação popular – notadamente feminina e africana e até indiana. Em "Grandeza e Abastança de Lisboa" em 1552, João Brandão apresenta sua cidade como uma imensa praça de alimentação. Brandão conta, além dos taverneiros, pasteleiros, carniceiros, confeiteiros, “quinhentos fornos de cozer pão e mil mulheres que vivem de vender pão cozido e padejar, por si ou à vendagem”, e mais centenas de cuscuzerias, farteleiras, tripeiras. Outras mulheres vendem queijo fresco, manteiga crua e cozida, aletria, favas e ameixas cozidas, postas de peixe frito, patos, lebres e outras caças, camarões e caramujos, alféloas(3), gergilada(4), pinhoada(5), frutas de conserva, marmeladas e laranjadas às pessoas que vão à Índia e Guiné ou assam sardinhas na Ribeira. Limpas, ricas, com suas “cadeias ao pescoço, jóias, manilhas nos braços”, muitas são africanas, escravas ou forras, anunciando as negras do tabuleiro no Brasil.
Em tantos pequenos navios saindo dos portos do norte de Portugal para as costas africanas ou brasileiras, seus marinheiros improvisam aí mesmo boa parte dos mantimentos. Comensais estrangeiros, como o veneziano Cadamosto (1455) ou o flamengo Eustache Delafosse (1479), contam orgulhosos como experimentaram assim o vinho de palmeira, os ovos de avestruz, a carne de tartaruga, cortada e salgada como se fosse toucinho, ou mesmo de elefante, bem menos saborosa. Enquanto os marinheiros da Companhia das Índias Orientais comiam em grupos de sete, numa única tina, com alimentos estritamente regulados, as naus portuguesas partiam sobrecarregadas com grande variedade de iguarias, e cada um cozinhava sua própria refeição ao seu gosto, se bem que disposto a compartilhar. A bordo, passavam o tempo pescando; em terra, caçando ou coletando. Essa gula – e as frutas cítricas que combatiam o escorbuto – explica a mortalidade menor nos navios portugueses.
Desde o início dos descobrimentos, a alimentação portuguesa já se caracteriza por um raro ecletismo, equilibrado entre os produtos dos mundo atlântico e mediterrâneo. Com terras altas e baixas, climas diferentes, muito rios e o mar a curta distância, os portugueses combinam a agricultura, o pastoreio e a pesca com a caça e com a coleta. Suas cozinhas alternam cozidos, guisados(6) e assados, fornos e grelhas, banha de porco, azeite, óleos e manteiga. Compensam os cereais caros com castanhas, leguminosas e raízes mais baratas. Poucas dietas européias comportam tantas hortaliças, couves, abóboras, nabos e cebolas. Seus temperos misturam especiarias preciosas como o açafrão-de-castela e o cravo com alhos, coentros, ervas-doces, cheiros e outras ervas recolhidas no campo. Suas frutas variam da delicadeza nórdica das maçãs, pêras e cerejas à exuberância meridional dos figos, melões, romãs, amêndoas. Não desprezam nenhuma carne, destacando-se na matança ritual do porco e na charcutaria de sarrabulho(7) e chouriços. Ainda que prezem leitões, cordeiros e cabritos, raramente comem bezerros e vitela, talvez por usarem o gado mais para tração e laticínios. No mar nenhum peixe lhes escapa, do atum até as sardinhas – passando por todos os moluscos.
Com esta “gastronomia da água”, são pioneiros na substituição dos excessos carnívoros medievais pela nova moda piscívora da época moderna. Além do mais, a influência do Oriente Médio, por meio da presença árabe e judaica, os familiariza com o arroz, doce ou frito de panela, com a massa folhada e a conserva de frutas em mel e açúcar, aproveitando produtos quase insípidos, como cidras e marmelos. A reconquista rápida facilita a circulação interna e as feiras, de maneira que os portugueses se encontram entre os primeiros mercadores a negociar grandes cargas de comestíveis, em vez de se dedicarem mais aos têxteis. No seu comércio com o norte da Europa, valorizavam suas frutas secas, seus cítricos e vinhos, que trocam por arenques secos do Mar do Norte, toucinhos e queijos flamengos, talvez menos saborosos, mas de boa conserva em longas viagens.
Por esta gula indiscriminada, os onívoros portugueses estavam mais preparados para se aventurar nas incógnitas alimentares dos novos mundos. Para a sobrevivência, mas também por curiosidade, experimentaram todos os produtos comestíveis e similares, suscetíveis de servir à aplicação de suas técnicas culinárias. Não se contentaram com os substitutos da comida mais apreciada em Portugal, ousaram também provar novidades, sem sentimento de culpa por tanta abundância paradisíaca, quase pecaminosa.
Nem todos apreciavam as iguarias locais. O marquês do Lavradio já reclamava, logo ao chegar, em 1768, dos alimentos da terra “insuportáveis, pepinos-de-são-gregório”(8). O ilustrado baiano Vilhena despreza as “viandas(9) tediosas, como sejam mocotós, isto é, mãos de vaca, carurus(10), vatapás(11), mingau, pamonha, canjica, isto é papas de milho, acaçá(12), acarajé, bobó, arroz de coco, feijão de coco, angu, pão-de-ló de arroz, o mesmo de milho, roletes de cana, doces de infinitas qualidades”, se bem que sua lista desvenda um primeiro inventário da culinária brasileira. Pior ainda é a bebida: “é uma água suja feita com mel, e certas misturas a que chamam de aluá(13), que faz vezes de limonada para os negros”.
Felizmente não faltam observadores letrados como frei Cristóvão de Lisboa na "História dos animais e árvores do Maranhão" (1627), o soldado saxônico Zacharias Wagener, no seu "Zoobiblion", livro de animais do Brasil (c. 1634-1641) ou o jesuíta João Daniel no "Tesouro Descoberto no máximo Rio Amazonas" (por volta de 1758-1776), que registram com água na boca essa maestria padeira para tirar todos os proveitos da mandioca para farinhas finas, bolos de carimã(14) e beijus(15). Destilam vinhos e licores do caju, do abacaxi ou do jenipapo. O suco do maracujá em vinagre acompanha bem o peixe, numa receita recuperada quatro séculos mais tarde por chefes pernambucanos. Encontram pássaros pernaltas de boa carne branca, em tanta quantidade como os capões e tão fina como as perdizes. Por pouco, o guaiamum seria comparável ao dazha, um caranguejo exaltado por poetas e pintores chineses. Do peixe-boi, fazem manteiga da banha, “cada uma de trinta e mais potes, e ainda muito azeite da cauda”, e da carne, parecida com a do porco, “se fazem lingüiças, chouriços e paios, que salpresos(16) têm o gosto dos melhores presuntos de Lamego” – esses embutidos de peixe-boi chegam a ser enviados para Portugal. Frei Cristóvão demonstra ainda um senso invulgar para distinguir entre as preferências alimentares de índios e africanos, que considera como parceiros confiáveis nestas experiências gustativas. Os negros, por exemplo, apreciam, o yoroti, um tipo de pomba do mato, que, como as pombas do velho continente, mantém fidelidade ao companheiro para a vida toda. Por causa desse comportamento das aves, os africanos davam-nas de comer às suas mulheres “para não terem conversação com outro homem”.
Exilado na sua prisão portuguesa, o jesuíta Daniel sonha com o tacacá, “um pouco de água engrossada ao fogo com farinha carimã, e com seus raios de tucupi e picante da malagueta”, o açaí, a maniçoba, “melhor que a couve na olha” e a geléia do maracujá, que engole “como quem come ovos quentes”. Nas laranjas brasileiras “as maiores da Europa lhe chocalhariam dentro”. As castanhas de caju “assadas dão vaia às castanhas da Europa”, se misturam aos legumes ou “às amêndoas e confeitos, cobrindo as torradas de açúcar”. Nas colheitas do sertão, os habitantes “banqueteiam-se” com as tartarugas pequeninas, que, apenas saídas dos ovos, “assadas são uns torresmos sem inveja dos do porco. Com alguns meses, de um palmo ou pouco mais, com uma brecha no peito para limpar e encher de temperos, vinagre, cebola e assadas são um pasmo”. De cada grande tartaruga fazem “sete ou mais menestras diversas: primeira o sarapatel(17), segunda o sarrabulho, terceira o peito assado, quarta fricassé(18), quinta o cozido, sexta a sopa, sétima o arroz. Isso é o mais usual, que em casa particulares ainda fazem mais guisados. Se é das maiores, uma só pode dar de comer a uma comunidade”. Como qualquer português, adora com excesso as gemas de ovos e precisamente os ovos de tartarugas são “quase tudo gema, com um pequeno círculo de clara, excelentes para fazer ovos moles”.
Os alimentos brasileiros se valorizam nessas evocações nostálgicas, que parecem louvá-los da mesma forma como as palavras de Marcel Proust celebraram a madeleine da doçaria francesa. Na falta de receituários e livros de cozinha, uma abundante documentação colonial pode resgatar a história da culinária luso-brasileira. Textos indispensáveis para realçar sua auto-estima, que estava baixa demais, sufocada pelo estrangeirismo nos templos paulistas e cariocas da gastronomia ou culpabilizada sob o ângulo da fome e da subnutrição.
Fonte: Ministério das Relações Exteriores do Brasil
Revista Textos do Brasil n° 13
Sabores do Brasil
GEOGRAFIA DOS SABORES:
Ensaio sobre a dinâmica da cozinha brasileira
Adriano Botelho
Diplomata; Mestre e Doutor em Geografia Humana pela USP
A culinária de um país é parte do gênero de vida de seu povo. Exprime não só os fatores físicos de sua geografia como também seus aspectos humanos, econômicos, sociais e culturais. Podemos, por meio de um processo de “engenharia reversa”, “desconstruir” uma receita para encontrarmos os produtos agrícolas e as técnicas de cultivo, os temperos utilizados e o tipo de pecuária dominantes em uma região. Mas o prato não se resume a seus aspectos materiais.
É necessário, também, que façamos uma “arqueologia dos sabores”, ou seja, uma dedução do tipo de clima e solo principais, dos grupos étnicos presentes, das migrações existentes, das influências exteriores, bem como das características culturais.
Portanto, podemos, a partir das receitas representativas de sua culinária, descobrir muitos dos elementos que compõe a geografia física e humana de uma região. E, como numa via de mão-dupla,o conhecimento antecipado dos fatores geográficos que configuram uma dada sociedade pode contribuir para a explicação de seus hábitos alimentares. Como disse Sophie Bessis : “Dize-me o que comes e direi que Deus adoras, sob qual latitude vives, de qual cultura nasceste, e em qual grupo social te incluis. A leitura da cozinha é uma fabulosa viagem na consciência que as sociedades têm delas mesmas, na visão que elas têm de sua identidade”.
Quando falamos em cozinha brasileira (ou cozinha italiana, francesa, chinesa, etc.), estamo-nos referindo a formas culturalmente estabelecidas que fazem parte de um sistema alimentar composto por um conjunto de técnicas, produtos, hábitos e comportamentos relativos à alimentação.
Porém, não se trata de algo estático, pois os intercâmbios entre os distintos povos são constantes e cada vez mais intensos, e as sociedades que geram suas culinárias também se modificam ao longo do tempo. Desse modo, como nos lembra a antropóloga Maria Eunice Maciel , uma cozinha não pode ser reduzida a um mero inventário ou repertório de ingredientes, nem convertida em fórmulas e combinações de elementos cristalizadas no tempo e no espaço.
A cozinha brasileira foi, desde seu início, dinâmica, pois é, sabidamente, fruto de influências de diferentes grupos sociais que se relacionaram e continuam a se relacionar (nem sempre de forma harmônica) ao longo de nossa história. E dada a grande extensão do País, sua diversidade climática, de relevo e solos, bem como as diferenças de povoamento de suas distintas regiões, podemos afirmar que uma das marcas da culinária brasileira é sua diversidade, que se expressa, geograficamente, por meio dos “pratos típicos” regionais. Porém, paradoxalmente, outra marca de nossa cozinha é sua relativa homogeneidade na alimentação cotidiana da maioria dos brasileiros, com pequenas variações regionais, dominada pela dupla feijão com arroz, acompanhada pela farinha de mandioca, salada e carne (de gado, porco, ave ou peixe).
Para realizar uma geografia dos sabores do Brasil, devemos levar em conta tais aspectos de sua culinária, relacionados tanto com os pratos típicos (a diversidade) quanto com a alimentação cotidiana (a homogeneidade). Também não podemos pensar a cozinha brasileira somente em termos de receitas tradicionais, pois, como já se mencionou, a culinária, como manifestação sociocultural, faz parte de um processo dinâmico que expressa as transformações por que passa uma sociedade. Nesse sentido, é que pretendemos analisar, no presente artigo, a geografia culinária do Brasil.
Os pratos típicos:
a geografia da diversidade
Ao passarmos os olhos por um livro de receitas de cozinha brasileira, logo percebemos a diversidade regional expressa nas distintas receitas típicas de suas culinárias. São exemplos dessa diversidade: o barreado e o arroz de carreteiro na Região Sul; a moqueca (capixaba, de banana da terra), o tutu de feijão, a feijoada, o feijão-tropeiro na Região Sudeste; a tapioca, a carne-de-sol com baião-de-dois, a paçoca de carne-seca, a buchada de bode, a galinha à cabidela, o bobó de camarão, o sarapatel, o vatapá e o acarajé na Região Nordeste; o pato no tucupi, a maniçoba, o tacacá na Região Norte; o arroz com pequi, o tutu com lingüiça, a guariroba, a mojica e o pacu assado na Região Centro-Oeste.
Cada uma dessas receitas revela um gênero de vida, uma maneira de relacionamento do homem com o meio geográfico que foi desenvolvida durante vários séculos e que recebeu influências diversas de grupos étnicos distintos. A proximidade do mar ou de rios, a mediterraneidade, o tipo climático, a intensidade da presença das culturas indígena, africana e européia, as atividades econômicas desenvolvidas, o grau de desenvolvimento dos meios de comunicação são alguns dos elementos sociogeográficos que contribuem para a formação de uma cozinha regional.
Uma observação: a partir do estudo das cozinhas regionais do Brasil, podemos concluir que as cinco macrorregiões administrativas definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) guardam, em seu interior, grande diversidade física e cultural, diferenciando-se, assim, do conceito clássico de região, desenvolvido pela Geografia tradicional de base francesa, que transformou essa unidade de análise em elemento fundamental para os estudos dessa disciplina.
Quando se fala em cozinha nordestina, por exemplo, não podemos deixar de considerar que há, na região, pelo menos duas cozinhas distintas: uma do litoral e outra do interior. A primeira, originária da civilização do açúcar do século 16, tem como fundamento as contribuições dos grupos sociais presentes no litoral nordestino (destacando-se a contribuição do africano, escravo, e do português, senhor de engenho, dono de plantações, funcionário da Coroa ou comerciante). Seu contato mais intenso com a Europa, por meio do comércio de açúcar, também deve ser considerado, quando estudamos as características de sua culinária. As receitas tradicionais do vatapá, do acarajé, do caruru – que utilizam condimentos provenientes da África para sua elaboração – revelam não só a forte presença africana na culinária dessa parte do Brasil, mas, também, a intensa troca comercial de produtos realizados entre o Brasil e o continente africano no período colonial. A segunda, originária da atividade de criação bovina e caprina e economicamente baseada na pecuária extensiva, foi marcada pelo clima semi-árido e pela escassez de rios perenes. Além disso, o peso da escravidão foi muito menor que no litoral, e, como conseqüência, a influência indígena foi mais forte, ao lado da portuguesa. A significativa presença da carne-de-sol, cuja técnica de conservação foi trazida pelos portugueses, bem como da farinha de mandioca, marca da influência indígena na alimentação do brasileiro, são os elementos basilares da alimentação no interior do Nordeste. A paçoca de carne-de-sol é exemplo emblemático dessa combinação: carne-de-sol mesclada à farinha de mandioca.
A cozinha do Centro-Oeste, por sua vez, revela as influências dos fluxos populacionais que se encontraram nessa região, quase sempre originários de outras partes do país e que se mesclaram com os elementos regionais. Pode-se perceber a influência da culinária mineira e paulista em Goiás, a da nordestina e nortista no Tocantins e a da paulista no Mato Grosso do Sul.
A Região Norte, por sua vez, tem como base de sua culinária os peixes e a mandioca, além dos frutos típicos, como o açaí e a castanha-do-pará, fartamente usados. A ubiqüidade da rede hidrográfica na região e a forte presença da cultura indígena explicam, em parte, suas particularidades. O tucupi, por exemplo, é elemento típico da culinária paraense. Elaborado a partir da mandioca brava, bem como do jambu, verdura típica que possui propriedade anestésica, causa uma leve sensação de tremor na língua. O tucupi e o jambu estão presentes em duas iguarias típicas: o tacacá (prato a base de camarão) e o pato no tucupi.
A culinária típica do Sudeste do Brasil revela, também, grande diversidade. No Espírito Santo, por exemplo, a base tradicional são os peixes e os frutos do mar, sendo a moqueca Capixaba seu prato mais conhecido. Já a cozinha característica mineira e paulista sofreram forte influência da atividade comercial interna exercida por sua população no período colonial, sendo o feijão-tropeiro sua mais conhecida expressão. Feijão misturado a farinha de mandioca, torresmo, lingüiça, ovos, alho, cebola e tempero era alimento básico dos condutores de tropas de mulas, responsáveis pelo fluxo comercial entre a região central do País, o litoral do Rio de Janeiro, e o Sul, tradicional fornecedor de gado em pé ou charque. O uso de legumes, frutos e tubérculos nativos é marcante na culinária mineira, bem como o da carne bovina, suína e de aves. Já a culinária fluminense é marcada pela influência portuguesa, acusada pela presença do bacalhau. Outro ponto forte da cozinha fluminense é a feijoada completa, que se tornou um dos pratos de exportação, simbolizando a própria cozinha brasileira.
Já a Região Sul do Brasil revela, em sua culinária, o quadro humano que caracterizou sua ocupação: a presença portuguesa no extremo sul e no litoral, a alemã e italiana na área serrana centro-norte, bem como a eslava no estado do Paraná. No extremo sul, fronteira norte da região pampeana, denominada por Fernand Braudel de “civilização da carne”, a atividade pecuária extensiva determinou o consumo generalizado da carne bovina sob a forma de churrasco. As origens portuguesas no litoral do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná podem ser detectadas nos pratos a base de peixe e frutos do mar e no barreado, típico do litoral paranaense, que consiste em uma carne cozida, por longo tempo, em panela de barro, servida com arroz e farinha de mandioca. Na região serrana de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, o clima subtropical e a presença de imigrantes alemães e italianos garantiram a presença não só do vinho e do trigo na cozinha local, mas também de receitas originárias da Europa.
A diversidade das cozinhas regionais e no interior das macrorregiões é fruto da combinação, ao longo da história, de elementos geográficos, sociais e culturais. São expressões elaboradas da identidade dos brasileiros que vivem nas distintas partes do País. Mais além da culinária regional, expressão da diversidade, a cozinha brasileira é um fator de unidade nacional, por meio da identificação do binômio feijão com arroz como prato típico de subsistência cotidiana do brasileiro, ou seja, como elemento de identidade nacional.
O feijão com arroz do dia-a-dia.
Para além das diferenças regionais, o prato do cotidiano que está presente em quase todas as mesas do País é formado pelo binômio feijão com arroz, acompanhado por salada, algum tipo de carne e farinha de mandioca. O dicionário Aurélio define o par feijão-com-arroz como “aquilo que é de cada dia; o comum; habitual”. Trata-se de verdadeiro elemento de identidade nacional, que abarca a população de norte a sul do País.
O feijão é um alimento básico para o brasileiro. Seu cultivo já era conhecido, em suas diversas variedades, tanto no Brasil pré-Cabralino como na Europa e na África. Dessa forma, sua assimilação pela culinária brasileira teve poucos obstáculos. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a média atual de consumo de feijão é de 12,7 kg brasileiro/ano.
Em pesquisa realizada pelo DataFolha no Município de São Paulo, 34% dos entrevistados responderam, espontaneamente, que seu prato preferido era o feijão com arroz, e 76% afirmaram comer a combinação com assiduidade. A preferência do consumidor é regionalizada e diferenciada, principalmente quanto à cor e ao tipo de grão. Trata-se de alimento rico em proteínas que constitui ingrediente principal da dieta da população mais pobre. O feijoeiro comum é cultivado ao longo do ano, na maioria dos estados brasileiros, proporcionando constante oferta do produto no mercado. Isso ocorre tanto em culturas de subsistência quanto em cultivos que se empregam avançadas técnicas. Devemos destacar que o cultivo de feijão é também mais acessível ao pequeno produtor familiar, pois pode ser realizado em pequenas propriedades, utilizando pouca tecnologia e mão-de-obra familiar, em contraposição à tradicional monocultura latifundiária de cultivos como a soja e a cana-de-açúcar.
A Região Sul ocupa lugar de destaque no cenário nacional de plantação de feijão, seguida pelas regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte, respectivamente. A larga disseminação e o uso em todas as partes do feijão, aliados à oferta constante e ao preço acessível, são importantes fatores para explicar o sucesso desse grão nos hábitos alimentares brasileiros.
O arroz, por sua vez, veio a substituir a farinha de mandioca como principal acompanhante do feijão. Essa última continua a ser, em algumas regiões (sobretudo a Norte, a Nordeste e a Centro-Oeste), um terceiro elemento indispensável à mesa. O arroz foi introduzido no Brasil nos primeiros séculos da colonização portuguesa e, paulatinamente, foi ganhando importância nos hábitos alimentares brasileiros, até tornar-se elemento essencial de nossa culinária cotidiana. Trata- se de um dos alimentos com melhor balanceamento nutricional, fornecendo 20% da energia e 15% da proteína per capita necessária ao homem; é, também, uma cultura extremamente versátil, que se adapta a diferentes condições de solo e clima. Seu cultivo ocorre de norte a sul do País, tendo sido adaptado a áreas menos úmidas (arroz de sequeiro). Apesar da relativa dispersão da rizicultura no território nacional, cerca de 60% da produção do Brasil é proveniente da Região Sul. O País se destaca como o maior produtor fora do continente asiático, estando entre os dez maiores produtores mundiais.
Dessa forma, podemos explicar a relativa homogeneidade da alimentação cotidiana não somente pelas influências culturais dos distintos grupos sociais que conformaram a sociedade, mas também pelas condições agrícolas e agrárias do Brasil. Alimento de subsistência, rico em nutrientes, adaptado ao clima e solos de quase todo o País, que pode ser cultivado em pequenas propriedades, de oferta constante e preços acessíveis, o binômio feijão com arroz é base da alimentação do brasileiro, superando diferenças regionais e sociais. Porém, com a crescente urbanização de nossa sociedade, com as transformações na estrutura socioeconômica e na cultura, bem como com a intensificação dos fluxos e intercâmbios internacionais, novos hábitos alimentares entram em cena.
Novos hábitos alimentares do brasileiro?
Na década de 1940, apenas 30% da população do País era urbana. Atualmente, 80% dos brasileiros vivem em cidades. A urbanização representa uma transformação nos hábitos culturais tradicionais da sociedade brasileira. Novos costumes são difundidos pelos meios de comunicação e pela mobilidade populacional impulsionada pelas migrações internas; relações sociais tradicionais dão lugar a outras, em geral, mais dinâmicas; idéias circulam com maior rapidez, transformando modos de vida regionais consolidados há séculos. Entre tais mudanças, novas formas de alimentar-se ganham espaço em nossa sociedade. O ritmo de vida urbano mais intenso, tanto para os homens como para as mulheres, é um dos elementos explicativos para as transformações nas práticas alimentares dos brasileiros.
Ao lado da intensa urbanização observada a partir da década de 1950, devemos levar em conta o desenvolvimento da indústria alimentícia para atender às novas configurações familiares e às novas necessidades dos moradores do meio urbano. Dessa forma, observamos uma industrialização crescente dos alimentos consumidos nos lares, com a proliferação de alimentos congelados e desidratados, biscoitos e massas, molhos e pratos prontos, etc. Mais do que apenas responder às necessidades do mundo contemporâneo, o setor de alimentos industriais cria novas necessidades para o consumidor, por meio de agressivas estratégias de marketing. Ao lado da industrialização dos alimentos, ocorre, nas últimas décadas, a proliferação de restaurantes de comidas rápidas, como forma de atender à parcela da população impossibilitada de retornar à casa com a finalidade de fazer sua refeição. O fast-food tornou-se presente na ali mentação cotidiana do brasileiro, seja por meio dos estabelecimentos self-service; de bares que servem “pratos feitos” ou sanduíches; ou das cadeias internacionais de junk-food. O outro lado da moeda da industrialização e massificação dos alimentos é a valorização das cozinhas regionais e estrangeiras. O gosto pelo “diferente” e pelo “exótico” é uma das marcas da cultura pós-moderna dos grandes centros cosmopolitas do mundo inteiro, e as metrópoles brasileiras não constituem exceção à regra.
Pode-se, então, falar em “disneylandização” da culinária mundial, na medida em que simulacros das diferentes cozinhas mundiais proliferam no globo. A intensificação das relações comerciais e financeiras, bem como a revolução nos meios de comunicação e transporte contribuíram para a maior sensação de proximidade do consumidor com relação a diferentes partes do mundo. A culinária, expressão sociocultural das diversas sociedades, não poderia deixar de ser afetada por essas transformações em âmbito global.
Por fim, o próprio ato de alimentar-se, há muito, deixou de apenas suprir nossas necessidades fisiológicas. Mais além de expressão cultural, como já anteriormente discutido, a alimentação está cada vez mais inserida no contexto do que Baudrillard chamou de “a sociedade de consumo”. A cozinha passa a ser afetada por modismos e a seguir as regras do mercado, subordinando as autenticidades culturais ao imperativo da homogeneização dos gostos, cada vez mais ditados pela mass mídia e por necessidades que são exteriores aos consumidores. A “alta cozinha” se transforma em uma forma de diferenciação social e de expressão de status, enquanto que a comida anunciada pelas grandes redes de fast-food ou pelas corporações da indústria de alimentos se reporta mais a um estilo de vida do que ao alimento em si. Um exemplo é o crescimento das linhas de alimentos light, que vendem um estilo de vida saudável e a busca de um corpo adequado aos padrões sociais dominantes. Nesse sentido, um novo capítulo da cozinha brasileira está prestes a ser escrito em virtude dessas mudanças. Estaríamos caminhando em direção a uma homogeneização empobrecedora, que poderia significar o fim das cozinhas regionais?
Os hábitos alimentares do brasileiro estariam sofrendo uma transformação fundamental, na qual o feijão com arroz do dia-a-dia estaria perdendo lugar para outros pratos? Ou as cozinhas regionais passariam por uma redescoberta e revalorização, tornando-se mais acessíveis aos brasileiros e estrangeiros?
As respostas a essas perguntas somente o tempo trará. Mas devemos ter claro que a culinária brasileira é marcada, historicamente, pela diversidade, pela influência das distintas possibilidades humanas e naturais abarcadas pelo País.
As mudanças em nossa alimentação e em nossa culinária são parte de transformações sociais, econômicas e culturais mais amplas, que constituem, como mencionado, um processo dinâmico. A direção que essas mudanças podem assumir, por sua vez, depende dos rumos que a população brasileira der a seu modo de vida.
1- A citação de Sophie Bessis foi retirada do artigo de Maria Eunice Maciel, “Uma cozinha à brasileira”, Estudos Históricos, n. 33, Rio de Janeiro, 2004.
2- Maciel, Maria Eunice. “Uma cozinha à brasileira”, Estudos Históricos, n. 33, Rio de Janeiro, 2004.
3- A referência à Disney se dá devido ao pioneirismo de um de seus parques, Epcot Center, em simular diferentes áreas de cidades como Cidade do México, Paris, Roma, Tóquio ou Pequim, onde se pode vivenciar “artificialmente” cada uma dessas cidades, e, inclusive, saborear as iguarias típicas de cada um desses países. A prática do simulacro de outras culturas é uma das características da chamada cultura pós-moderna.
4- Baudrillard, Jean. A sociedade de consumo.
PEQUENO GLOSSÁRIO DA COZINHA BRASILEIRA
Neste nosso imenso e amado Brasil o que não falta são delícias para encantar qualquer amante dos prazeres da boa mesa. São muitos ingredientes, receitas, tradições e saberes que fazem da nossa cozinha um patrimônio do qual devemos nos orgulhar e, sobretudo, usufruir e propagar para que jamais perca sua identidade, que é a nossa identidade como povo e nação também.
Trazemos, abaixo, informações básicas sobre um pouco da nossa cozinha para auxiliá-lo a saber mais e, consequentemente, saborear melhor tudo isso. Repare que alguns pratos recebem nomes diferentes conforme a região do Brasil o que, muitas vezes, gera uma saborosa confusão. Confira!!
● ABARÁ – Bolinho preparado com a mesma receita do acarajé (massa de feijão fradinho cozido com condimentos e e camarão seco), com a adição de azeite de dendê e leite de coco à massa. Às vezes, também, leva camarão seco moído. O abará é envolvido em folha de bananeira e cozido no vapor ou na água fervente. A folha de bananeira é dobrada, dando forma de pirâmide ao embrulho da massa. As baianas típicas já trazem o abará cozido de casa ou terminam de cozinhar na rua, no vapor. A embalagem na folha de bananeira ajuda a conservar a temperatura e dá sabor especial ao quitute.
O abará é menos famoso que o acarajé, mas tem boa vendagem. Além da possui textura mais macia que o acarajé, é especialmente procurado por quem procura evitar as frituras. Para servi-lo, retira-se a folha de bananeira. O abará é partido ao meio e a ele é adicionado o recheio desejado pelo consumidor.
● ACAÇÁ - Bolinho preparado com massa de milho branco ou amarelo, cozido envolto em folha de bananeira
● ACARAJÉ - Massa de feijão fradinho cozido com sal, pimenta, azeite de dendê e camarão seco. Forma uma espécie de bolinho e é frito no azeite de dendê. Serve-se com camarão, pimenta etc.
● ANDU - Fruto do anduzeiro ou guandeiro. O mesmo que guando, feijão-guando.
● ANGU - Preparação à base de farinha de milho (angu de milho), de mandioca ou de arroz, cozida com água e sal.
● ARROZ À GREGA - A receita original é de arroz cozido passado na manteiga com cenoura cozida e pimentão verde picados. Entretanto, ao longo do tempo, diversos outros ingredientes foram sendo incorporados à receita, tais como ervilha, uva passa, vagem, salsinha, entre outros. Hoje, praticamente, cada um tem sua própria receita de arroz à grega.
● ARROZ DE VIÚVA - Arroz cozido com leite de coco.
● ARROZ-DE-HAUÇÁ - Arroz, carne seca, cebola, pimentão, tomate, coentro fresco, camarão seco, azeite de dendê e pimenta do reino.
● ARRUMADINHO - Carne do Sol, charque, feijão-fradinho, farofa e salada.
● AZEITE-DE-DENDÊ - Óleo extraído da polpa do fruto do dendezeiro, uma palmeira oleaginosa originária da África, muito empregado na cozinha baiana.
● BARREADO - Típico do Estado do Paraná, é um cozido de carne de peito de boi preparado, originalmente, sem adição de água, em fogo muito baixo, numa panela de barro cuja tampa deve ser colada ao corpo com uma massa, um pirão de farinha, para evitar que o vapor escape durante o cozimento. Essa operação se chama barrear a panela e, daí, vem o nome do prato
● BEIJU - Herança indígena, é um alimento preparado com massa de tapioca ou de mandioca.
● BOBÓ - Massa que pode ser de feijão mulatinho, inhame, aipim etc., e é cozida e temperada com azeite de dendê, camarão e condimentos. Come-se puro ou com carne ou pescado.
● BOBÓ DE CAMARÃO - O saboroso resultado de ingrediente caro - o camarão-, unido com a textura suave do purê de aipim, talvez seja o motivo pelo qual o prato alcançou certa distinção de fama e refinamento. É utilizado em almoços e jantares, muitas vezes como prato principal, servido em panelas aquecidas – os rechauds - e acompanhado somente de arroz branco.
O bobó original, proveniente das receitas africanas, era feito com inhame amassado. O inhame é nativo da África. O aipim, também chamado de mandioca doce ou macaxeira, é ingrediente nativo do Brasil. O bobó, da forma como servido atualmente, faz a união do dendê, de origem africana, com o aipim, ingrediente proveniente da herança alimentar indígena.
● BREDO - Um tipo de erva às vezes cultivada como alimentícia. Vulgarmente conhecida como “mato”. Também, é chamado de caruru.
● BRIGADEIRO - é o mais famoso e difundido doce de festa brasileiro, normalmente presente nas mesas de aniversário. É feito com leite condensado, chocolate e manteiga. Atualmente ganhou inúmeras versões, mas os ingredientes básicos continuam os mesmos. É chamado de negrinho no Sul do Brasil.
● BUCHADA DE BODE - ou simplesmente buchada, é um prato típico do Nordeste brasileiro, muito popular e saboroso. Seu preparo envolve o chamado "bucho" do carneiro/bode, ou seja, seus miúdos e tripas. Todas essas vísceras são lavadas, aferventadas, cortadas, temperadas e envoltas com o próprio estômago do animal, ficando como uma bola recheada. Daí a buchada é cozida uma série de condimentos que incluem cheiro verde, cebola, alho, tomate, limão, colorau, folhas de louro, pimentão e sal. Em alguns lugares, os miúdos são substituídos pela carne nobre do bode, agregando valor tanto no aspecto quanto ao sabor da iguaria. Algumas pessoas, também, saboreiam o caldinho que resulta do cozimento, bebendo-o quente ou fazendo pirão.
A buchada não é uma receita originalmente nordestina. Na verdade, ela é herança dos portugueses. Com eles, aprendemos a técnica de cozinhar os miúdos dentro do estômago do animal, lá conhecida como Maranhos. O prato nasceu em Beiras de Portugal, que tem de uma longa tradição de receitas com cabrito. No sertão nordestino é costume servir o prato em reuniões, festas e até mesmo em batizados.
● CAIPIRINHA - o mais popular drink brasileiro, muito conhecido internacionalmente, além do seu sucesso por aqui, conquista os estrangeiros que nos visitam ou que o consomem nos bares e restaurantes brasileiros que cada vez mais se espalham por todo o mundo. É feita com cachaça, limão não descascado, açúcar e gelo.
● CANJICA - Papa doce de milho verde e leite de vaca - no Norte/Nordeste. No Sudeste, é uma iguaria feita com grãos de milho (geralmente branco) cozido em caldo açucarado com leite de vaca ou leite-de-coco - a iguaria é chamada de munguzá no Norte/Nordeste.
● CANJIQUINHA - Papa salgada feita de milho verde e servida com carnes.
● CAPÃO - Animal castrado. Em geral, cavalo, cordeiro, porco ou frango capado. Também denomina o peixe-galo.
● CARAGÉ - O mesmo que acarajé.
● CARURU - Creme de quiabo, preparado com cebola, tomate, pimentão verde, hortelã, salsinha, coentro, alho, castanha de caju torrada, amendoim torrado, camarão seco, azeite de dendê, vinagre e azeite de oliva.
Na Bahia, quando se fala em caruru, pode haver três sentidos:
1) O caruru ser o prato, propriamente dito, feito com quiabos e dendê.
2) Pode ser a refeição inteira, também chamada de “caruru completo”, que inclui o caruru junto com vatapá, xinxim de galinha, arroz branco, farofa de dendê, feijão fradinho refogado com dendê, feijão preto, acarajé, abará, banana-da-terra frita, milho branco, pipoca, inhame, rapadura e rolete de cana.
3) Também pode ser o evento em que a refeição é servida para grande quantidade de pessoas, sempre gratuitamente, pois é ofertado aos comensais como pagamento de alguma promessa. As pessoas costumam dizer: “Vai ter um caruru em tal lugar”. E isso acontece em vários locais, das casas pobres às residências abastadas, passando por associações de trabalhadores, empresas e organizações públicas.
Caruru, ainda, é o nome de uma erva usada como alimento (bredo).
● CHURRASCO - Carnes assadas ao calor da brasa, em espeto ou sobre grelha. Preparação bastante comum em diversas regiões do país, em especial, no Sul, o que explica o termo “churrasco gaúcho”.
● COALHADA - Leite solidificado, coagulado.
● CONDIMENTO - Substância que realça o cheiro e o sabor dos alimentos. O mesmo que tempero.
● CORÁ - O mesmo que curau.
● CURAU - Papa de milho verde cozido com leite e açúcar. É, também, chamado de Corá em Minas Gerais, de papa-de-milho e mingau de milho no Rio de Janeiro , e de canjica no Nordeste e Norte do Brasil.
● CUSCUZ - Originário do norte de África, consiste num preparado de sêmola de cereais, principalmente o trigo. No Brasil, pode ser feito à base de farinha ou polvilho, de milho, arroz ou mandioca.
Preparados com massa de milho, temos dois tipos de cuscuz: o do Nordeste e o do Sudeste. No cuscuz nordestino, a massa de milho é feita com fubá e temperada com sal, cozida no vapor e umedecida com leite de coco, com ou sem açúcar. O prato é servido de manhã, acompanhado com manteiga, ou na ceia da noite, dissolvido em leite, como se fosse um mingau. Em São Paulo e Minas Gerais, o prato se transformou em uma refeição mais substancial, confeccionado com farinha de milho e recheado com camarão, peixe ou frango e molho de tomate. É servido como entrada, acompanhamento e até como prato principal.
A base de mandioca, temos o cuscuz de tapioca (a fécula da mandioca), também conhecido como cuscuz branco ou, ainda, pudim de tapioca. Pode ser doce ou salgado. Também se faz cuscuz com a puba da mandioca (massa formada pelas fibras da mandioca fermentada).
● FAROFA - Iguaria salgada, servida como guarnição para outros pratos, cujo ingrediente principal é a farinha de mandioca ou a farinha de milho, geralmente passada na gordura e à qual podem ser acrescentado inúmeros outros ingredientes, tais como: miúdos, milho, bacon torrado, lingüiça frita, ovos, salsa, cebola, banana e couve entre outros.
● FEIJÃO TROPEIRO - Grãos inteiros de feijão, misturados com toucinho e farinha. Era servido durante as viagens de tropas em busca do ouro (Minas Gerais), dando origem ao nome que designa esta preparação.
● FEIJOADA - Prato mais popular da cozinha brasileira, preparado com feijão preto (as vezes outro) e cozido com carnes salgadas e linguiças. Serve-se com arroz branco, couve refogada, farofa e laranja em pedaços.
● GARAPA - Possui significados diversos, muitos deles relacionados a bebidas: caldo extraído da cana-de-açúcar é o mais popular, mas ainda pode ser uma bebida de mel ou de açúcar com água, ou de frutas, ou de líquidos fermentados e depois destilados.
● GERGELIM - Semente alimentícia de uma planta originária do Oriente. Muito utilizada como tempero de saladas e também em pães. GERZELIM - O mesmo que gergelim.
● GRÃO-DE-BICO - Um tipo de semente alimentícia muito utilizada na cozinha árabe.
● GUARIROBA - Nome dado a uma espécie de palmeira (coqueiro-amargoso) e ao seu palmito.
● JAMBÉ - Alimento feito com o fruto do caruru.
● JACATUPÉ - Um tipo de planta de raiz comestível. Também recebe o nome de jocotupé.
● JUNÇA - Um tipo de erva comestível e medicinal, tida como erva daninha. Denomina, também, a cachaça.
● MANAUÊ - Uma espécie de bolo feito de fubá de milho, mel e outros ingredientes. De possível origem africana.
● MANGARITO - Um tipo de planta da qual se utiliza a raiz para produzir uma espécie ou farinha comestível.
● MANIÇOBA - Prato que mescla a cozinha indígena e a africana, a maniçoba, também conhecida como feijoada paraense, é preparada com as folhas da maniva/mandioca (Manihot esculenta Crantz) moídas e cozidas, por aproximadamente uma semana (para que se retire da planta o acido cianídrico, que é venenoso), acrescida de carne de porco, carne bovina e outros ingredientes defumados e salgados. É servida acompanhada de arroz branco, farinha de mandioca e pimenta.
A maniçoba também constitui prato típico do Recôncavo baiano, sobretudo dos municípios de Cachoeira e Santo Amaro, onde também é servida durante eventos comemorativos locais, como festa de São João da Feira do Porto. É vendida na feira livre, em forma de bolos ou em refeições tipo "prato feito". A maniçoba cachoeirana tem que ter bastante pimenta.
● MASSAPÊ - Trata-se do pirão escaldado e feito com farinha de mandioca e água fervente, acrescido de pimenta malagueta. Ainda em uso no meio rural.
● MINGAU - Alimento de consistência pastosa, geralmente preparado com leite e farinha.
● MOJICA DE PINTADO - Prato típico do Mato Grosso, sobretudo da cidade de Cuiabá, consiste num ensopado de peixe cortado em cubos, com temperos como o limão, alho, cebola, tomate, cheiro-verde, coentro e pimenta e espessado com toletes de mandioca.
● MOQUECA - Prato típico brasileiro, em geral de peixe ou de mariscos e que consiste num refogado temperado com salsa, coentro, limão, cebola, e, sobretudo, leite de coco, azeite-de-dendê e pimenta.
● MUNGUNZÁ - Milho cozido em caldo açucarado com leite de vaca ou de coco. Muito apreciado no Nordeste, onde é conhecido, também, como chá de burro, o munguzá é encontrado em outras regiões do País com denominações diferentes: canjica nos Estados do Sudeste e Sul e canjicão em Minas Gerais. Na cultura jege-nago é chamada de ebô uma comida ritual.
● ORA-PRO-NÓBIS - Um tipo de cactos de folhas suculentas e de frutos amarelos e sem sabor.
● PAMONHA - Uma espécie de bolo feito de milho verde, leite de coco, manteiga, açúcar ou sal, entre outros, e cozido nas folhas do milho ou de bananeira.
● PÉ-DE-MOLEQUE - Doce de consistência dura feito com açúcar e amendoim torrado.
● PIRÃO - Alimento de consistência pastosa, engrossado com farinha de mandioca. Atualmente, acompanha pratos à base de frutos do mar.
● QUIBEBE - Preparação de origem pastosa, feita com verduras, geralmente a abóbora.
● QUINGOMBÔ - O mesmo que quiabo.
● RAPADURA - Alimento de consistência dura, elaborado a partir da cana de açúcar. Possui forma de pequenos tijolos.
● SARAPATEL - Comida de origem indiana, introduzida pelos portugueses, consiste em miúdos de porco temperados com limão, cebola, alho, hortelã, salsinha, vinagre, pimenta vermelha e salteados em banha de porco, depois ensopados com o sangue do próprio animal.
● TACACÁ - Iguaria da região amazônica brasileira, em particular dos Estados do Acre, Amazonas,Pará, Rondônia e Amapá. Consiste em um caldo fino e bem temperado a base de tucupi, geralmente temperado com sal, cebola, alho, coentro do norte, coentro e cebolinha. Este caldo é servido sobre a goma de tapioca, acompanhado de camarão seco e jambu. Serve-se sempre muito quente, em cuias, temperado com pimenta.
● TAIOBA - Erva de folhas e raiz comestíveis.
● TAPIOCA - É o nome da goma, polvilho, ou amido retirado da raiz da mandioca. Sinônimo de beiju em algumas regiões do País.
● TUCUPI - Típico do Estado do Pará e da região Norte do Brasil, o tucupi é um líquido amarelo, extraído da raiz da mandioca brava. Seu preparo guarda a forma artesanal cultivada pelos índios da região. Deve ser cozido demoradamente antes de ser consumido, pois cru é venenoso. Oferece sabor inconfundível aos pratos com ele preparados, como o tacacá, pato, leitão, peixe, camarão e alguns tipos de caça.
● TUTU - Grãos triturados de feijão, misturados com toucinho e farinha.
● VATAPÁ - Espécie de creme ou purê, de consistência pastosa, a meio termo entre mole e duro. Pode ser feito de farinha de trigo, farinha de mandioca ou pão dormido. É temperado com cebola, alho, tomate, coentro, cebolinha e gengibre, além de amendoim e castanha. Os dois últimos torrados e moídos. E dendê e leite de coco, é claro. Pode haver um pouco de camarão seco na massa.
O vatapá não tem origem africana. É uma invenção brasileira. Representante nacional do esplendor da cozinha baiana. Os africanos desconhecem a palavra vatapá, segundo Câmara Cascudo. “Na culinária, como em outras manifestações culturais africanas no Brasil, está ocorrendo o fenômeno de torna-viagem. Quitutes africanos voltam à África como se dali não tivessem nascido, voltam brasileiros”. Câmara Cascudo viu na África pratos que, aqui chamados de africanos, são conhecidos por lá como brasileiros.
O vatapá acompanha moquecas e o xinxim de galinha. É servido sempre junto com arroz branco e também caruru. Está sempre presente no tabuleiro dos vendedores de acarajé e abará, que utilizam o vatapá como recheio dos bolinhos de feijão. Há algumas variações do vatapá, como no caso em que a ele é adicionado bacalhau desfiado. Nesse caso, serve como prato principal. Nos livros de receitas mais antigos, há registros do vatapá feito com galinha. Essa versão é pouco conhecida hoje em dia.
O jornalista Darwin Brandão, que na década de 40 publicou em Salvador o livro A Cozinha Baiana, inspirado no vatapá, afirmou: “Temos, portanto, aí a comida africana da Bahia, já nacionalizada, resultante da matriz negra com as influências naturais do índio e do português. A mais famosa cozinha do Brasil, a de maior caráter”.
● VIRADO PAULISTA - Preparação à base de feijão, toucinho, cebola e alho. Originou-se dos alimentos levados por bandeirantes durante as viagens pela região Sudeste.
● XIXIM DE GALINHA - De origem baiana, é feito de frango temperado com limão, alho e sal, cozido com cebola, tomate, tempero verde e azeite de dendê. É semelhante à moqueca, mas leva também camarão seco, amendoim, castanha de caju. O xinxim também pode ser feito de bofe, víscera bovina de cozimento demorado e consistência borachenta. O xinxim é sempre acompanhado de caruru e vatapá. Dificilmente é encontrado servido como prato único, somente acompanhado de arroz e farofa, como é o caso das moquecas.
Fontes: "Alimentação e Cultura" - texto desenvolvido pelo Depto de Nutrição da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (FS/UnB) e a Área Técnica de Alimentação e Nutrição do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Política de Saúde do Ministério da Saúde (DAB/SPS/MS).
Enciclopédia Britânica
Wikipedia
Textos do Brasil - Ed. 13 - Sabores do Brasil - Ministério das Relações Exteriores do Brasil
Escola Basílio BatistaTimbaúba dos Batistas, Rio Grande do Norte, Brasil